Era uma criança doce e rebelde. Possuia o raro dom de seduzir, tanto na rebeldia quando na doçura.
Tinha gestos e palavras e olhares por vezes tão inesperados quanto desconcertantes. Corria para o colo dos mendigos. Ajoelhava-se á frente dos alcoolicos, dáva as mãos a toxicodepentes com AIDS, beijava o rosto das prostitutas.
Os animais de rua entrelaçavam-se á frente dos seus pés. Sorria olhando vastos ceus carregados de chuva e profetizava que seria um bom dia.
Com as mãos em concha, acarinhava os tumores, as feridas, as chagas de doentes terminais e moribundos. Adornava os cadaveres e tudo fazia para que fossem velados com respeito e dignidade.
Ao longo da vida, escutou atentamente milhares de histórias, desabafos, lágrimas, segredos. Suavizou prantos, secou lágrimas, improvisou humor e fé, até conseguir inspirar sorrisos nos rostos mais desistentes.
Engoliu, em intensas golfadas, a sua própria vontade de chorar, de desistir, de sucumbir. Perante os outros, era a imagem fiel da alegria, da esperança, porque na verdade era isso em essência e decisão intima.
Aliviou milhentas dores, curou imensos doentes.
Fugia dos elogios, não aparecia nas festas de honra.
Criou inevitaveis odios e invejas, mas até aos falsos amigos se ofertou, numa dadiva inexplicavel, porque tola ou sublime.
Quando os sinais intensos de que a sua vida física se estava a esgotar, rendeu-se ao silêncio. E brincou e sorriu até ao fim.
Teresa Afonso