sábado, 31 de março de 2012

AROMA DE MAÇAS



Com o aroma das maças
e das rosas
o amor se fez
e se desfez.
É certo que cheguei a ti
Numa manhã de improvavel certeza.
Fiz-me anunciar com um poema,
Como acontece com os amantes pré-destinados.
Falei-te do aroma das maças
(sem saber porquê)
e tu respondeste:
agora mesmo, eu escrevia um poema que diz assim:
"o amor exala um intenso aroma de maças / onde estás tu, meu amor/ que te sinto tão perto e não te vejo?"
Era eu! Eramos nós!
Depois, veio a estação das rosas.
Do perfume de pitanga.
Erotismo,
Mel escorrendo entre lábios.
Depois,
Os versos e reversos
De um amor inconstante
E intenso.
Veio até o teu inesperado adeus,
A agressão do teu absurdo julgamento.
Mais tarde, meses idos,
o teu pedido de perdão,
O teu extase, a tua (nossa) incontornavel paixão.
Depois,
Os acertos e descertos que todos os amores têm.
Ofereci-te o comando da relação
Mas não soubeste fazer bom uso dessa dádiva.
Mais uma vez,
Julgaste mal e depressa demais.
Queres o meu perdão?
- Não!
Perdoa-te tu, se fores capaz!
Serás?...
... por tudo o que conheço de ti, penso que não!

Teresa Afonso
(direitos reservados)

CARTA A UMA AMIGA DISTANTE...



Querida Paulinha:

Faz hoje dois meses que te separaste de nós. Ascendeste a mais belos e leves lugares, eu sei! Estou feliz por ti, acredita.
Penso em ti muitas vezes, e revejo-te com uma claridade que quase me magoa, pela ausência, pela saudade, pela lição de vida que foste para mim, por tudo o que partilhamos e que afinal não foi suficiente, porque algo faltou, porque eu falhei, Paula.
Naquela noite em que falaste comigo e nem conseguias respirar, porque o cancro te havia invadido os pulmões, em que choravas como uma criança indefesa e desesperada, naquele instante eu deveria ter corrido para perto de ti e ter ficado ao teu lado. Tentei acalmar-te pelo telefone, mas isso foi pouco demais, mas tão pouco mesmo, que hoje, só de me recordar, apetece-me sucumbir no peso do meu remorso.
Fico feliz por saber que, trinta e poucos dias Antes da tua partida, te trouxe ainda á minha casa e á minha mesa, onde de mãos dádas celebramos o meu aniversáro (talvez o último, pois a verdade é que depois de ti não me motiva celebrar mais nenhum).
No dia em que velei o teu corpo, pude ver o teu rosto de paz, a insinuação do sorriso derradeiro que fizeste antes de partir. Sei que foste em paz, como essa eterna criança que afinal eras e querias ser, pressentindo que a tua vida seria breve... sorrias da dor e dos dramas teus, eu sei.
Foste embora numa madrugada de sol já nascente, num dia de luz, apesar do meu coração ter ficado escuro e dorido com a noticia do teu adeus.
Quando fui á florista comprar-te flores, tive que resistir á imensa vontade de chorar. Depois, cumpri um misterioso trajecto, que só tu e eu podemos entender. Deixei flores na porta do predio onde morreste, na clinica onde ambas trabalhamos juntas, aos pés do teu caixão...
Levantar o branco veu que te cobria o rosto foi um gesto simples, beijar-te a testa em jeito de despedida foi uma reverencia merecida, e sei que algures a tua alma sorriu.
A tua morte, no entanto e por ironia, reuniu a data de duas mortes! A tua era já anunciada e foi digna, a outra não, bem pelo contrário. Enquanto alguns semeiam e cultivam dádiva, perdão e redenção, outros queimam tudo ao seu redor.
Após a vinda da capela onde o teu rosto parecia dormir, alguem que eu amava saiu também da minha vida, mas de forma ingloria e cruel.Sobre isso, tu que estás nos altos céus, melhor saberás, e quase ouço a tua doce voz, a sussurrar-me: " deixa, não faz mal"
Estarás tu bem mais certa que eu. Na verdade, não faz mal, apesar de todo o mal que me fez. 
Tu, és suave lembrança, amizade imperdivel, pois não existe morte entre almas afinizadas. Só essa certeza afinal me basta. Pois tudo o que de infeliz e menor e mesquinho convergiu com o dia da tua morte não importa nem deixa boa memória.
Mas tu, querida Amiga, serás sempre honrada, lembrada, celebrada dentro de mim. Nessa data nefasta, tu estarás sempre viva em mim. Tu, apenas!






(In Memorium de Ana Paula Andrade, que deste mundo se separou no dia 31 de Janeiro de 2012. Tinha 43 anos e uma filha de 10 anos, Ana Raquel, com quem partilho este gesto de homenagem e Amor).


Querida Ana Raquel:

talvez um dia leias este texto.
Quero que saibas o que já sabes: foste e serás sempre o grande Amor da tua mãe. Nunca estarás só, pois ela acompanha-te em todos os momentos, para lá de todos nós. Dedico-te a ti as ultimas palavras que ela me escreveu:

" no eterno vai e vem que todos nós somos,
   para sempre a Vida,
   para sempre o Amor"
  

(

Teresa Afonso
(direitos reservados)

Lisboa, 31 de Março de 2012

sexta-feira, 30 de março de 2012

IMERECIDAS MORTES


Neste estranho mundo e seres estranhos que somos, tudo é possivel, até o suposto impossivel.
Vivias só, mas autonoma, com o teu dinheiro e garra. Mas não podias nem deverias estar só, qaundo lutavas intensamente com a vida: o dia, a hora,  a semana possivel.
No serviço de oncologia, repetias um duro ritual: as sessões de quimioterapia, os vomitos em casa, as diarreias, o lindo cabelo que te fez calva, a filha que tiveste que afastar de ti para não sofrer.

Neste estranho mundo e seres estranhos que somos, os amigos fogem e a solidão perdura, quando se anuncia a dor, o sofrimento, a falta, até a eventual morte.

Não sabemos como lidar com as traições, as desistencias, os despresos. Sabemos apenas que temos que viver, mas é exactamente ai, nessse ponto sagrado da traição, que ás vezes desistimos, ou então renascemos.
É certo que a voz da revolta comanda exercitos e vidas. Mas é certo que a rebeldia ás vezes ganha o poder de comandar a vida,acabe ela como acabar. 
A tua acabou numa capela de anjon e num formo crematório, segundo a tua vontade. As cinzas, transportadas no meu carro, seguiram os infinitos horizontes da Arrábia, onde foram derramadas num espontaneo ritual de imenso respeito, silêncio e Amor.
Não tenho palavras para dizer da saudade, do vazio, da memória.
Mas posso dizer, sinceramente:
"depois de tudo
 o que permanece é o Amor"

(que assim seja, sinto e sei que assim será)

Teresa Afonso
(direitos de autoria reservados)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Apenas Nós

 

 

Penso e repenso: a tua existencia em mim, a minha em ti.

Pressinto as lágrimas, as angústias, os questionamentos, mais teus que meus, mas afinal nossos, pois somos inseparáveis...

Penso e repenso, sinto e pressinto o coração fechado, magoado, confuso, dividido. Teu e meu, corações aflitos, guardados em silêncios e mistérios e imperiosas razões que se impõem, que se impuseram.

Foi real a separação, e ambos os corações sabem não existir caminho possivel de volta,

retorno,

pois foi encerrado o Amor!

Apenas eu,

na insonidade das luas e suas luzes,

ouso ainda, ás vezes

só á vezes, 

gritar por ti:

farol que perdeu luz,

amor que escolheu já mais nada ser.

 

Teresa Afonso

(direito reservados)

 

Avelino, o discreto



Avelino é um ser discreto, de poucas palavras, de poucos gestos. É dono de uma pastelaria que costumo frequentar, de forma assidua mas irregular. No entanto ele aprendeu como que a conhecer-me depressa e bem.
Sabe o que vou beber, a mesa que ocupo, ao ar livre, na esplanada de plantas onde sabe que escrevo e possui o dom e a gentileza atenta de acender as luzes da esplanada, quando o entardecer escuresse o lugar, soltário, que ocupo.
Avelino tem um computador portatil na mesa do fundo, tem uma viola que sei qe toca, tem uma relação com o mundo via net, tem a sua tranquilidade e outras imagens de marca, que fazem dele uma pessoa diferente e estimada..
Avelino é um amigo  especial que nunca abracei, porque a postura que impomos a ambos assim nos obriga.
Ás vezes apetecia-me poder abraçá-lo e ouvir as suas dores e pesos do dia a dia, porque sei que os tem! Ás vezes apetecia-me também poder dizer-lhe o quanto estou feliz ou sofrida, porque estou! Mas entre nós existe esse território de separação, esse silêncio cumplice, esse enigma de aparente distancia.
Avelino tem uma familia bonita, uma esposa tranquila, um jovem filho talentoso. Gosto da familia por inteiro, da educação, de tudo.
E gosto dessa esplanada de flores discretas, onde muitas vezes escrevo, como se aquele lindo lugar fosse um pedaço da minha casa e da minha alma literária.

(ao meu querido amigo Avelino, dedico este texto)

Teresa Afonso
Setúbal, 28 de Março de 2012
(direitos de publicação reservados)

domingo, 25 de março de 2012

PENSAMENTOS SOLTOS AO VENTO

Esta manhã fui navegar. Aliás, fui velejar, já que o barco era um veleiro.
Madeiras nobres e já desgastadas pela erosão do sol e do sal, resgatadas pelo carinho de um novo mestre.
Marinheiros quase irreais a bordo, qual fantasias de contos literários, mas reais. O veleiro conta já mais de cem anos, o capitão não, claro!!! E o barco está recuperado, deixemo-nos de fantasias.
Tudo o que nos movia era o encontro com os golfinhos. Tivemos sorte, ou benesse, ou dádiva, porque o encontro realmente aconteceu. E comoveu-me, como só os encontrros sagrados comovem.
Apos duas horas de neblina e águas quase demasidos serenas, eles emergiram, inesperados, em toda a sua graça e esplendor e leveza, graciosidade inexplicável, porque só vendo.
Sobre os golfinhos que habitam o Rio Sado, em Setúbal, escreverei e ilustrarei, com fotografias, um texto próximo, pois a minha máquina fotografica avariou e aguardo dos meus amigos de viagem a partilha de fotos, para ilustrar as minhas palavras, tão modestas e simples perante o lindo esplendor que hoje tive a benesse de viver.
Sei que renasço um pouco todos os dias, após um longo inverno. Mas hoje foi algo de especial, a minha alma e o meu coração levitaram, por via do encontro encantado com os golfinhos.

Teresa afonso

(Rio  Sado e Oceano Atlantico, a bordo do veleiro Galeao do Sal, dia 25 de Março de 2012)
Direitos de autor reservados

sábado, 24 de março de 2012

SUBLIME REENCONTRO



Finalmente chegaste! É quase um milagre sentir-te, por inteiro, em mim!
Vieste com todo o esplendor, vestida de luzes mágicas, cores e perfumes imemoriais, que me embriagam de ternas emoçõs. 
Chegaste, e abraçaste-me inteira, e tudo vibrou e mudou em mim, energia amada. Sentia tantas saudades tuas, tantas, tantas!
Mas tu estás agora aqui, e colocas, docemente, na minha fronte, uma coroa de irresistiveis flores. Com etereos dedos, tocas cada pedaço da minha pele, envolvendo-me numa decisão de entrega total, leveza, desprendimento, inocente alegria, infantis gargalhadas.
Por tudo isso, são agora plenos e felizes os meus dias, e ternas, tão ternas as minhas noites, pois a tua presença constante vibra e vive em mim.
Por longo tempo esperei por ti, numa ansiedade de amante quase eterna. Sim, eu sei que tiveste que viver, silenciosa e invisivel, recolhida no útero da Terra, no coração impenetravel do Mundo. Sei também que tiveste que cuidar, amorosamente, das tuas sementes, antes de poderem germinar e por fim reclamarem o divino espaço da visibilidade, que tudo agora dominam.



Sabes, com a tua chegada tudo mudou e ganhou outro sentido. Secaram por fim as lágrimas do longo Inverno, foi-se a tristeza dos dias cinzentos, as emoções mais dolorosas, até o meu corpo fechado em posição de feto, em interminaveis noites frias.
Vieste, e trouxeste contigo toda a poesia, o retorno dos vibrantes sorrisos, o brilho intenso dos olhares, todos!
Sempre te amei e me deslumbrei com a tua presença, desde que me lembro de mim. Sei também que voltarás a partir, como é teu destino e designio, e eu, mais uma vez, por longos meses aguardarei o teu retorno sagrado e fiel, sentindo sempre a tua falta, mas sorrindo perante a tua lembrança.
Hoje, celebro a tua chegada e nela de delicio, num tanger de merecida felicidade, tua e minha.
Vejo-te, cheiro-te, sinto-te. Eis que te apresentas aqui, em pleno, e tudo abraças, num envolvimento descomprometido e incondicional, e possuis o divino dom de iluminar todas as paisagens, todas!
Ficarás por alguns inesqueciveis meses, o teu tempo - e isso é afinal quanto me basta.
Sou-te grata por este renascimento, o meu através do teu.
Por fim viste, com todo o teu esplendor, AMADA PRIMAVERA!
DIVINA, LINDA, MARAVILHOSA PRIMAVERA!!!

Teresa Afonso
(Celebração do Equinócio da Primavera - dia 21 de Março - Serra da Arrábida - Portugal)
(direitos de autor reservados)

SILÊNCIO GRITANTE


EXISTE NO TEU SILÊNCIO UMA VOZ QUE GRITA.
UM SOM QUE ME ACORDA
NO SOBRESSALTO INESPERADO
DA NOITE INSONE.
EXISTE NA TUA AUSÊNCIA
UMA PRESENÇA QUE SE IMPÕE,
DERRADEIRA E SUBLIME,
SOBRE QUASE TUDO E TODOS.
EXISTE EM TI
ESTE MISTERIOSO DOM
DE ESTARES ONDE EU NÃO QUERO,
PORQUE JÁ NÃO QUERO,
NÃO QUERO!
EXISTE NO TEU APARENTE VAZIO
UM PREENCHIMENTO,
UMA OCUPAÇÃO ILICITA DE MIM,
UM ENIGMÁTICO QUASE DOMINIO
AINDA POR RESOLVER.
... E EU,
QUE TODOS OS DIAS TENTO RENASCER,
DESCUBRO-ME NÚA
DENTRO DOS TEUS BRAÇOS
QUE ME RECLAMAM
COMO UM AMANTE INVENCÍVEL.
SIM,
EXISTE NO TEU SILÊNCIO
UM GRITO
QUE SÓ O MEU CORAÇÃO ESCUTA E ENTENDE.
NÃO GRITES MAIS, MEU AMOR DE PERDIDAS ERAS
E LOUCAS QUIMEREAS!
SILENCIA, POR FAVOR.
TALVEZ ENTÃO O MEU CORAÇÃO
TE RECEBA,
NÃO COM A PEDIDA FÉ DE OUTRORA,
MAS COM O PERDÃO
QUE AMBAS AS ALMAS MERECEM NUTRIR,
PARTILHANDO ASSIM A CONSTRUÇÃO
DE UM PACIFICO NOVO DIA.

Teresa Afonso
(direitos reservados)

quinta-feira, 15 de março de 2012

A TRAIÇÃO DO AMOR



Houve um tempo em que o amor tangia doces melodias. Lembras-te?...
Um tempo mágico, em que essas doces melodias (tuas e minhas), viajavam entre mundos, unindo corações distantes, acasalando corpos e auras iluminadas. Mas a mentira tecia já, na cobardia da sombra, os enredos da tragédia! Por isso, não foi sublime o amor, porque deixou-se condenar a si mesmo. Não foi vitorioso o amor, porque se perdeu na cobardia e desistiu de si mesmo.
Ficou então o nada, um vazio de flores mortas no utero da terra / coração. Sorriu, como sorriem as feiticeiras: com desdém. É com esse sorriso que agora penso: este amor foi o filho que nã soubemos ter, porque o matamos, com toda a crueldade, roubando-lhe o divino direito de nascer.
Sim, agora ficou o nada. Fico também um deserto de poeiras e desejos insatisfeitos, onde afinal apenas o esboço dos nossos rostos por um instante se desenhou - magia de um efemero instante, apenas!
Depois, vieram os selvagens ventos aliseos, que tudo varreram, na sua furia destruidora. O amor tem esse poder, de inspirar as maiores raivas e os ódios mais morbidos, não é? Tarde demais o soubemos, impossivel voltar atrás, fazer o quê?
Depois dos ventos, só um grão de areia, silencioso e discreto, guarda agora a memória desse amor que um dia nós fomos, ou acreditamos ser. Chegamos a ser? Faltou-nos quase tudo: a coragem, a ousadia, esse grito de eternidade que sonhamos mas jamais construimos de verdade.
Por tudo isso, fomos vencidos pela raiva ds furacões, esses que sabem varrer as esfinges dos desertos, esses que conhecem as fraquezas dos humanos corações.
Quero que te soltes e partas de mim, por inteiro, para sempre. Não mais o peso da tua memória, não mais o registro da tua existência, se é que alguma vez foste real, se é que alguma vez exististe de verdade. Olhando para trás, pergunto-me e não sei, juro que não sei quem foste, juro que não sei a quem me dei, porque me dei, isso eu sei! Mas isso é muito pouco para escrever um historia de amor.
Não esperes mais por mim, não me busques, não me escrevas, não penses sequer em mim. Porquê? Porque aquela que conheceste já não existe, e a verdade é que tu foste o autor da sua própria morte.
Sim, sorriu agora como sorriem as feiticeiras: com a lucidez e o desdém que os falsos amores inspiram.
Adeus!

domingo, 4 de março de 2012

TARDE DEMAIS


Voltaste tarde demais! Pareces possuir esse desastroso talento de caminhares sempre no desencontro dos momentos certos, tanto nas partidas quanto nos regressos - ela assim o dizia, e estava certa.
A tua ultima despedida, inglória e tão cruel, havia deixado nela marcas ainda mais profundas do que tudo aquilo que já conheciamos da vossa atribulada história.
Como sempre, mais uma vez ela se fechou num silêncio de esfinge onde ninguém conseguia chegar. O seu olhar facilmente se distanciava da presença dos amigos que a acarinhavam e tentavam alegrar. O seu telefone estava cada dia mais vezes desligado, as respostas ás mensagens fizeram-se raras e escassas, a sua disponibilidade para sair deixou de existir, com a desculpa de uma gripe prolongada que a retinha em casa - assim se justificava, numa voz que me foi parecendo quase irreconhecivel. Eu sabia que não podia impor a minha presença, mas apenas manifestar a minha amizade fiel. Por isso, mantive-me atenta e decidi aguardar pela sua volta ao nosso convivio. Afinal, ela era uma lutadora e eu acreditava que venceria mais esta prova, esta dor silenciosa com que se debatia, essa dor que tu lhe havias deixado de herança, com a tua partida cobarde, sustentada por mentirar e enredos mórbidos.
No entanto, a vida possui voltas e contra voltas que ninguém jamais prevê. Talvez só ela afinal soubesse o desfecho deste ciclo, por pura intuição ou intenso desejo, não sei!
A verdade é que melhorou e, apesar de débil, retomou a pouco e pouco as suas rotinas de trabalho e convivio. Nós, os amigos, ficamos felizes e respiramos de alivio quando a vimos regressar, mais magra e pálida, é certo, mas regressada a nós, e isso era quanto nos bastava. Fatal engano! Na verdade ela já não era mais a mesma. Não mais estava já ali o luminoso olhar de outrora, as palavras doces, os sorrisos cristalinos, a poesia, os dialogos inflamados, o interesse pela vida, a esperança nos dis vindouros: nada!
Apenas ela, como um sombra de si mesma. Dois meses pareciam ter sido dez, vinte anos. Rugas e cabelos brancos, inesperados no seu rosto de quase menina, fazendo dela agora uma pessoa que quase não conheciamos nem sabiamos bem como lidar.
No entanto ela estava a recomeçar, e de ti jamais voltariamos a ouvi-la falar, numa tentativa de esquecimento da qual fomos cumplices, prometendo a nós mesmos não pronunciar o teu nome ou recordar tempos recentes...
Sim, em passos ainda tremulos, ela retornava aos seus compromissos, ao trabalho, ao convivo... apenas deixara de escrever, dizendo que toda a inspiração se havia esgotado, mas que era só uma questão de tempo até ganhar forças para recuperar os projectos adiados. Acreditei, mas algo em mim me fazia recear qu talvez não fosse tão simples assim...
Súbito, a noticia terrivel, dramática, que me fez cair de joelhos, coração incredulo, voz embargada. O telefone tocou, já noite dentro, fazendo anunciar o pior. Era o irmão dela, dando-me conta de que... ela havia morrido.Apenas isso: morrido!
Naquela manha de Inverno, ela havia-se despedido da familia com um abraço estreito e seguido para uma viagem de trabalho. No regresso, ao fim da tarde, já a poucos quilometros de casa, conduzia serenamente pelas curvas e contra curvas de uma serra que conhecia demasiado bem. Súbito, um carro que se despistou, um embate violento na traseira do seu carro e que o projectou para fora da estrada, entrando por um declive em queda livre, ravina abaixo, indo por fim imobilizar-se num campo de flores amarelas. A policia diz que foi assim que aconteceu, a equipa médica que a socorreu encontrou-a já sem vida, rosto desfigurado sobre o volante...
... Imagino-a a descer a serra de paisagens que ela tanto amava, imagino que o sol se punha, era entardecer e ela estaria fascinada com as cores do ceu... imagino que levou com ela essas imagens e esse deslumbramento, que sempre a seduziam, mesmo nos momentos mais tristes...
E agora, heis que tu regressas, exactamente no dia do seu funeral, e te apresentas, em lágrimas e palavras de amor tardias e falsas, que tentas partilhar comigo, como que na esperança de um perdão que não te posso dar e que pressinto que ela não te daria tambem. Ela soube que partiste por via de um novo amor, que talvez por depressa se ter esgotado ou corrido mal, te fez voltar, pois para ti ela era sepre dáda como certa. Agora já sabes que não, e nenhum de nós a poderá fazer ressuscitar, nem mesmo o poder daqueles que a amaram de verdade.
Quero ver-te chorar até te dissolveres, até te extinguires e desapareceres para sempre das nossas vidas. A tua presença não é grata entre nós, por todo o mal que repetidas vezes lhe fizeste. Acabou-se por fim o jogo perverso do teu dominio, pois ela está agora num lugar onde já nenhum mal a pode atingir, nem tu voltares a feri-la.Não me importa a tua suposta dor tardia, mas sim um ser maravilhoso que se foi, e que tu nunca mereceste.
Mas, acima de tudo, sei que agora ela poderá começar a estar em paz. Tambem sei que, nesse lugar misterioso onde nascem os anjos, ela sentirá o amor, a amizade e a saudade que deixou entre todos aqueles que, deste lado da vida, a amaram de verdade.

Teresa Afonso