domingo, 4 de março de 2012

TARDE DEMAIS


Voltaste tarde demais! Pareces possuir esse desastroso talento de caminhares sempre no desencontro dos momentos certos, tanto nas partidas quanto nos regressos - ela assim o dizia, e estava certa.
A tua ultima despedida, inglória e tão cruel, havia deixado nela marcas ainda mais profundas do que tudo aquilo que já conheciamos da vossa atribulada história.
Como sempre, mais uma vez ela se fechou num silêncio de esfinge onde ninguém conseguia chegar. O seu olhar facilmente se distanciava da presença dos amigos que a acarinhavam e tentavam alegrar. O seu telefone estava cada dia mais vezes desligado, as respostas ás mensagens fizeram-se raras e escassas, a sua disponibilidade para sair deixou de existir, com a desculpa de uma gripe prolongada que a retinha em casa - assim se justificava, numa voz que me foi parecendo quase irreconhecivel. Eu sabia que não podia impor a minha presença, mas apenas manifestar a minha amizade fiel. Por isso, mantive-me atenta e decidi aguardar pela sua volta ao nosso convivio. Afinal, ela era uma lutadora e eu acreditava que venceria mais esta prova, esta dor silenciosa com que se debatia, essa dor que tu lhe havias deixado de herança, com a tua partida cobarde, sustentada por mentirar e enredos mórbidos.
No entanto, a vida possui voltas e contra voltas que ninguém jamais prevê. Talvez só ela afinal soubesse o desfecho deste ciclo, por pura intuição ou intenso desejo, não sei!
A verdade é que melhorou e, apesar de débil, retomou a pouco e pouco as suas rotinas de trabalho e convivio. Nós, os amigos, ficamos felizes e respiramos de alivio quando a vimos regressar, mais magra e pálida, é certo, mas regressada a nós, e isso era quanto nos bastava. Fatal engano! Na verdade ela já não era mais a mesma. Não mais estava já ali o luminoso olhar de outrora, as palavras doces, os sorrisos cristalinos, a poesia, os dialogos inflamados, o interesse pela vida, a esperança nos dis vindouros: nada!
Apenas ela, como um sombra de si mesma. Dois meses pareciam ter sido dez, vinte anos. Rugas e cabelos brancos, inesperados no seu rosto de quase menina, fazendo dela agora uma pessoa que quase não conheciamos nem sabiamos bem como lidar.
No entanto ela estava a recomeçar, e de ti jamais voltariamos a ouvi-la falar, numa tentativa de esquecimento da qual fomos cumplices, prometendo a nós mesmos não pronunciar o teu nome ou recordar tempos recentes...
Sim, em passos ainda tremulos, ela retornava aos seus compromissos, ao trabalho, ao convivo... apenas deixara de escrever, dizendo que toda a inspiração se havia esgotado, mas que era só uma questão de tempo até ganhar forças para recuperar os projectos adiados. Acreditei, mas algo em mim me fazia recear qu talvez não fosse tão simples assim...
Súbito, a noticia terrivel, dramática, que me fez cair de joelhos, coração incredulo, voz embargada. O telefone tocou, já noite dentro, fazendo anunciar o pior. Era o irmão dela, dando-me conta de que... ela havia morrido.Apenas isso: morrido!
Naquela manha de Inverno, ela havia-se despedido da familia com um abraço estreito e seguido para uma viagem de trabalho. No regresso, ao fim da tarde, já a poucos quilometros de casa, conduzia serenamente pelas curvas e contra curvas de uma serra que conhecia demasiado bem. Súbito, um carro que se despistou, um embate violento na traseira do seu carro e que o projectou para fora da estrada, entrando por um declive em queda livre, ravina abaixo, indo por fim imobilizar-se num campo de flores amarelas. A policia diz que foi assim que aconteceu, a equipa médica que a socorreu encontrou-a já sem vida, rosto desfigurado sobre o volante...
... Imagino-a a descer a serra de paisagens que ela tanto amava, imagino que o sol se punha, era entardecer e ela estaria fascinada com as cores do ceu... imagino que levou com ela essas imagens e esse deslumbramento, que sempre a seduziam, mesmo nos momentos mais tristes...
E agora, heis que tu regressas, exactamente no dia do seu funeral, e te apresentas, em lágrimas e palavras de amor tardias e falsas, que tentas partilhar comigo, como que na esperança de um perdão que não te posso dar e que pressinto que ela não te daria tambem. Ela soube que partiste por via de um novo amor, que talvez por depressa se ter esgotado ou corrido mal, te fez voltar, pois para ti ela era sepre dáda como certa. Agora já sabes que não, e nenhum de nós a poderá fazer ressuscitar, nem mesmo o poder daqueles que a amaram de verdade.
Quero ver-te chorar até te dissolveres, até te extinguires e desapareceres para sempre das nossas vidas. A tua presença não é grata entre nós, por todo o mal que repetidas vezes lhe fizeste. Acabou-se por fim o jogo perverso do teu dominio, pois ela está agora num lugar onde já nenhum mal a pode atingir, nem tu voltares a feri-la.Não me importa a tua suposta dor tardia, mas sim um ser maravilhoso que se foi, e que tu nunca mereceste.
Mas, acima de tudo, sei que agora ela poderá começar a estar em paz. Tambem sei que, nesse lugar misterioso onde nascem os anjos, ela sentirá o amor, a amizade e a saudade que deixou entre todos aqueles que, deste lado da vida, a amaram de verdade.

Teresa Afonso

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