sábado, 31 de março de 2012

CARTA A UMA AMIGA DISTANTE...



Querida Paulinha:

Faz hoje dois meses que te separaste de nós. Ascendeste a mais belos e leves lugares, eu sei! Estou feliz por ti, acredita.
Penso em ti muitas vezes, e revejo-te com uma claridade que quase me magoa, pela ausência, pela saudade, pela lição de vida que foste para mim, por tudo o que partilhamos e que afinal não foi suficiente, porque algo faltou, porque eu falhei, Paula.
Naquela noite em que falaste comigo e nem conseguias respirar, porque o cancro te havia invadido os pulmões, em que choravas como uma criança indefesa e desesperada, naquele instante eu deveria ter corrido para perto de ti e ter ficado ao teu lado. Tentei acalmar-te pelo telefone, mas isso foi pouco demais, mas tão pouco mesmo, que hoje, só de me recordar, apetece-me sucumbir no peso do meu remorso.
Fico feliz por saber que, trinta e poucos dias Antes da tua partida, te trouxe ainda á minha casa e á minha mesa, onde de mãos dádas celebramos o meu aniversáro (talvez o último, pois a verdade é que depois de ti não me motiva celebrar mais nenhum).
No dia em que velei o teu corpo, pude ver o teu rosto de paz, a insinuação do sorriso derradeiro que fizeste antes de partir. Sei que foste em paz, como essa eterna criança que afinal eras e querias ser, pressentindo que a tua vida seria breve... sorrias da dor e dos dramas teus, eu sei.
Foste embora numa madrugada de sol já nascente, num dia de luz, apesar do meu coração ter ficado escuro e dorido com a noticia do teu adeus.
Quando fui á florista comprar-te flores, tive que resistir á imensa vontade de chorar. Depois, cumpri um misterioso trajecto, que só tu e eu podemos entender. Deixei flores na porta do predio onde morreste, na clinica onde ambas trabalhamos juntas, aos pés do teu caixão...
Levantar o branco veu que te cobria o rosto foi um gesto simples, beijar-te a testa em jeito de despedida foi uma reverencia merecida, e sei que algures a tua alma sorriu.
A tua morte, no entanto e por ironia, reuniu a data de duas mortes! A tua era já anunciada e foi digna, a outra não, bem pelo contrário. Enquanto alguns semeiam e cultivam dádiva, perdão e redenção, outros queimam tudo ao seu redor.
Após a vinda da capela onde o teu rosto parecia dormir, alguem que eu amava saiu também da minha vida, mas de forma ingloria e cruel.Sobre isso, tu que estás nos altos céus, melhor saberás, e quase ouço a tua doce voz, a sussurrar-me: " deixa, não faz mal"
Estarás tu bem mais certa que eu. Na verdade, não faz mal, apesar de todo o mal que me fez. 
Tu, és suave lembrança, amizade imperdivel, pois não existe morte entre almas afinizadas. Só essa certeza afinal me basta. Pois tudo o que de infeliz e menor e mesquinho convergiu com o dia da tua morte não importa nem deixa boa memória.
Mas tu, querida Amiga, serás sempre honrada, lembrada, celebrada dentro de mim. Nessa data nefasta, tu estarás sempre viva em mim. Tu, apenas!






(In Memorium de Ana Paula Andrade, que deste mundo se separou no dia 31 de Janeiro de 2012. Tinha 43 anos e uma filha de 10 anos, Ana Raquel, com quem partilho este gesto de homenagem e Amor).


Querida Ana Raquel:

talvez um dia leias este texto.
Quero que saibas o que já sabes: foste e serás sempre o grande Amor da tua mãe. Nunca estarás só, pois ela acompanha-te em todos os momentos, para lá de todos nós. Dedico-te a ti as ultimas palavras que ela me escreveu:

" no eterno vai e vem que todos nós somos,
   para sempre a Vida,
   para sempre o Amor"
  

(

Teresa Afonso
(direitos reservados)

Lisboa, 31 de Março de 2012

Um comentário:

  1. Belíssima a tua carta a Ana Paula. Tenho certeza que ela já a leu várias vezes, sorrindo sempre. Ana Raquel lerá um dia e saberá que sua mãe fez a diferença. Almas afins, nunca se separam completamente. Voltarão a encontrar-se... beijos de VC, querida amiga...

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